Por Sérgio Diniz, fundador e presidente da Triple A – Advisor, Conselheiro de Administração e Fiscal certificado pelo IBGC, membro e CFO(BR)® Certificado pelo IBEF-SP.
O assunto pode parecer trivial para alguns, mas sempre fico surpreso cada vez que descubro companhias, inclusive de grande porte, que não têm sua gestão de caixa preparada adequadamente para situações de crise, como a que vem se prolongando até o momento. Especialmente as pequenas e médias empresas (PMEs), que vem sofrendo muito nos últimos anos: isto é, aquelas que vem sobrevivendo à crise… Muitas sucumbiram no processo e mesmo nas sobreviventes, muitas vezes encontramos sérias deficiências na gestão do caixa. O assunto é extenso; nosso objetivo aqui é tecer apenas algumas considerações básicas.
A boa gestão do caixa é sempre um elemento chave nas empresas, pois liquidez (capacidade de honrar compromissos em seu vencimento) independe de bons resultados: uma empresa com lucro contábil pode quebrar por falta de caixa. Em momentos de crise, que invariavelmente afetam o caixa, essa gestão passa a ser fundamental. Há vários tipos de crise, dentre eles:
- Global ou nacional, em que todas as empresas sofrem os mesmos efeitos;
- Setorial, em que empresas concorrentes em um mesmo setor são afetadas de forma similar;
- Da própria empresa, seja por fatores internos (má gestão, litígios, contingências etc.) ou externos (desastres, acidentes etc.).
Mas em TODOS os casos, a gestão do caixa é fator determinante no sucesso! Vamos aprofundar alguns desses aspectos a seguir:
1 – A crise global e impactos no Brasil
A economia global passa por um período desafiador. Os problemas enfrentados pelos países da Europa e o crescimento menor da China têm afetado duramente o Brasil, que sofre também com problemas políticos internos e uma economia paralisada. Nem mesmo a recuperação dos EUA foi suficiente para devolver a confiança aos investidores e alavancar o crescimento dos mercados globais1.
As empresas são amplamente afetadas pelo cenário de incerteza e instabilidade pelo qual passamos. No Brasil, a crise econômica tem reduzido o poder de compra da população, com reflexos negativos no varejo e na produção industrial1.
No País os efeitos são claros, basta abrir qualquer jornal:
- ‘Agora a venda está péssima’, diz empresário (O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 2019).
- Corte de juros não chega a consumidor e comércio deixa de ganhar R$ 40 bi (O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 2019).
- Com crise, renda do trabalhador chegou a cair mais de 16% em 5 anos (O Estado de S. Paulo 23 de junho de 2019).
- Cerca de 1,8 milhão empresas fecharam as portas no País durante o ano passado (O Estado de São Paulo – 10 de maio de 2016)
Como se não bastasse a crise macroeconômica, as PMEs acabam sendo afetadas também pelo mau desempenho das grandes empresas, das quais são fornecedoras. Neste cenário, as obrigações financeiras das pequenas e médias companhias pesam ainda mais, em um cenário em que as receitas parecem só diminuir2.
Resultados: o fluxo de caixa fica comprometido e a crise se instala (atrasos nos pagamentos, fornecedores ligando, funcionários insatisfeitos, no extremo falta o caixa para comprar insumos para novas vendas), e a espiral de deterioração se retroalimenta, agravando cada vez mais a crise. E mais, quando o empreendedor vai procurar seu banco para tentar um empréstimo ponte, descobre que não há crédito, especialmente para empresas em dificuldades.
2 – Algumas evidências da crise no negócio
É comum ouvir: “Puxa vida, estou até conseguindo vender, mas o dinheiro não aparece!”3. Trocando em miúdos, listamos cinco dentre as principais evidências desse problema:
Primeira: descontos maiores e mais pedidos de parcelamento. Por conta do cenário de crise, os consumidores em geral estão mais inseguros e com isso mais conservadores. Muitas pessoas têm negociado as compras pedindo mais descontos e exigindo mais parcelamentos. Para não perder o negócio, a maioria dos empresários têm aceitado as condições e facilitado as negociações, abrindo mão da margem e caixa, o que compromete o futuro da empresa.
Segunda: a queda nos recebimentos é mais rápida do que a queda dos custos. Um conselho muito comum neste momento é a redução de custos, mas na prática o impacto positivo real no fluxo de caixa leva algum tempo para acontecer, pois a maior parte das despesas não podem ser descontinuadas do dia para a noite.
Terceira: cancelamentos, inadimplência e devoluções. Infelizmente, por insegurança ou por questões financeiras, muitos clientes podem abandonar o barco, devolvendo produtos adquiridos, não pagando por serviços prestados ou suspendendo aqueles serviços que não julgam essenciais.
Quarta: desorganização, falta de treinamento e envolvimento das pessoas. Talvez esses sejam alguns dos problemas mais fáceis de resolver e que gerarão maior impacto no caixa de sua empresa, o que exige, porém, muitas vezes a expertise de terceiros e, portanto, gasto de mais recursos.
Quinta: Por fim, “o caixa desaparece”.
3 – Como sair da crise?
Em momentos como esse, reforços dos controles financeiros ganham importância nas companhias, cada vez mais preocupadas em reduzir o impacto da crise e garantir os bons resultados de seus negócios. A tecnologia é uma aliada primordial nesse processo4. Em tempos de crise, gerenciar o caixa da empresa é a diferença entre sobreviver e naufragar no cenário adverso.
Ao interpretar corretamente o ambiente externo, os ciclos de vida do negócio e a saúde financeira da empresa, os riscos podem ser administrados e as decisões são tomadas de maneira rápida e flexível, de modo a garantir a competitividade e a longevidade da organização.
É possível identificar previamente cenários de ruptura de caixa e direcionar ações corretivas, bem como atuar ativamente para diagnosticar e criar o plano de recuperação da empresa em meio a um cenário de crise4.
É grande a diferença entre ficar apavorado e sair dando descontos e cortando custos de qualquer forma (o que infelizmente é o que boa parcela dos empresários faz) e estar ciente das dificuldades, quantificá-las e ter um plano com ações concretas e objetivas.
O problema, na maioria dos casos, é que o empreendedor conhece muito sobre o negócio, mas poucos conhecem sobre Finanças e menos ainda sobre reestruturação. Como fazer um plano, então? Nesse momento, é fundamental a figura de um bom CFO, de preferência certificado, ou então de consultores externos especializados, que conheçam e saibam usar ferramentas e controles financeiros adequadamente (leia mais a seguir).
4 – Ferramentas e controles financeiros
Controles financeiros: quais? Ao analisar a gestão financeira do negócio, o empreendedor se depara com vários números e informações5. O mais incrível é que, apesar de mais comum nas PMEs, estas questões muitas vezes não são adequadamente respondidas em algumas empresas de grande porte:
- Quanto vendi este mês?
- Quanto preciso comprar de produtos para repor o meu estoque?
- Quanto minha empresa está lucrando?
- Qual é a melhor forma de pagamento dos meus insumos?
- Quanto vai sobrar no meu caixa no final do mês?
No caso das PMEs, as mesmas têm que começar pelo básico. A palavra de ordem é: anote, anote e anote5! Entre os principais controles, temos, entre outros:
- Fluxo de caixa;
- Controle de caixa;
- Controle bancário;
- Controle de contas a receber;
- Controle de contas a pagar;
- Controle de estoques.
A partir da análise dos indicadores obtidos por meio desses controles, é possível desenhar planos de ação, por exemplo5:
- Tomar providências para a cobrança e o recebimento dos valores em atraso;
- Reduzir estoques de materiais ou de mercadorias;
- Reduzir prazos de recebimentos de vendas e aumento dos lucros;
- Definir política de análise de crédito e cobrança;
- Entender e mensurar o capital de giro necessário.
Talvez a ferramenta mais importante seja manter o seu fluxo de caixa sempre atualizado6:
- Calcular e controlar a entrada e saída de recursos financeiros;
- Controlar e identificar os gastos da empresa;
- Manter a liquidez para pagar as contas sem atrasos (evitando pagamento de juros);
- Evitar o descasamento de operações;
- Reconhecer a necessidade do capital de giro;
- Conhecer a melhor data para realizar investimentos ou repor produtos em estoque;
- Avaliar a política de recebimentos e prazos de pagamento.
5 – Erros na captação de recursos
A empresa, muitas vezes, terá de correr atrás de capital de giro durante a crise. Se, nesse momento, a empresa não possuir uma previsão dos recebimentos e das despesas futuras poderá contratar junto ao mercado um empréstimo para capital de giro muito superior, ou mesmo muito inferior, ao que seria necessário7.
Isso é muito comum, pois ao primeiro sinal de problema, muitos empresários sofrem a tentação de já tomar o primeiro empréstimo disponível para sentirem-se seguros, com caixa na mão.
O grande problema de contratar um capital de giro, ou outra linha de crédito, na medida errada é saber se em curto ou médio prazo a empresa conseguirá pagar o custo dessa contratação sem necessitar de novos empréstimos. Ou também dar garantias demais para uma operação menor que o necessário e depois não conseguir aumentar o valor captado. De maneira geral, os empréstimos no Brasil têm juros muito altos, o que aumenta muito o custo da operação.
Se corriqueiramente a empresa contrair novos empréstimos, porque não calculou direito sua necessidade de capital, os custos dessas operações ficarão muito altos podendo afetar diretamente a empresa, resultando em7:
- Falta de capital para manter ou investir em novos produtos e serviços e para a operação do dia a dia da empresa;
- Falta de capital para pagamento de impostos, que em médio prazo poderá se tornar um grande problema;
- Falta de competitividade dos produtos por estarem com preços acima do mercado devido ao custo financeiro do capital de giro adquirido;
- Falta de liquidez crescente, devido à necessidade de tomar capital de giro de terceiros frequentemente, a famosa “bola de neve”.
Por isso, é fundamental que a empresa possua bons controles, de forma a corretamente dimensionar sua necessidade de captação. Dentre outros4:
- O uso de financiamento em conjuntura recessiva: instrumentos financeiros disponíveis;
- Ferramentas de mitigação de riscos;
- Gestão do capital de giro: administração de clientes, fornecedores e estoques;
- Estabelecer o equilíbrio entre rentabilidade e risco, ROE (“return on equity” ou retorno sobre o investimento) e autonomia financeira;
- Concorrência e flutuação do mercado: como tomar decisões ágeis e flexíveis para responder à instabilidade econômica.
6 – Mas o que encontramos de fato no mercado?
Vários dos itens elencados acima são chave em qualquer tamanho de empresa, e não apenas em PMEs. Fico muitas vezes surpreso ao ver empresas que aparentam estarem bem estruturadas mas que não conseguem, por exemplo, saber o capital de giro e margem por cliente e/ou por linha de produtos, que não sabem diferenciar clientes ou linhas de produtos que têm baixa margem mas por outro lado trazem capital de giro para o negócio, assim como cliente com margem aparentemente dentro da meta esperada, mas que são grandes tomadores de capital de giro, e esse custo muitas vezes não é considerado, e se o fosse poderia inverter a análise da rentabilidade. Encontramos um caso real em que isso ocorria de forma sistêmica.
Quando esses fatores são claramente identificados e computados, sejam os custos financeiros das linhas de produtos, clientes ou categoria de clientes, é que surgem grandes surpresas. Em um outro caso real, coordenei para uma grande multinacional de serviços financeiros no Brasil uma alocação de todos os custos indiretos para cada cliente, fazendo uma análise completa da rentabilidade por cliente. A surpresa: o maior cliente da empresa, computando-se todos os custos, era o que dava o maior prejuízo!
Até mesmo o fluxo de caixa, central na gestão financeira, muitas vezes deixa a desejar. Conheci uma empresa com faturamento de vários bilhões de reais que usava uma simples, e falha, planilha eletrônica para gestão do caixa! A empresa tinha também outros problemas (a falta de gestão financeira adequada normalmente é apenas um dos sintomas) e acabou pedindo recuperação judicial.
Por outro lado, temos vários exemplos de sucesso quando a gestão é bem-feita. Durante minha carreira prévia como executivo, uma das empresas em que tive a honra de trabalhar nos deu a liberdade para fazermos as mudanças financeiras necessárias. Nesse caso concreto, conseguimos aumentar a geração de capital de giro, fazendo o básico, mas bem executado: renegociação de prazos com fornecedores, redução dos níveis de estoque, melhoria da política de crédito e agilização da cobrança junto a clientes.
Neste caso prático, em apenas doze meses, a geração de capital de giro aumentou onze vezes, invertendo um ciclo de captação para o de aplicação de recursos! No ano seguinte, analisando, segmentando e melhorando as margens por clientes e linhas de produtos, ganhamos o prêmio de operação mais rentável mundialmente, dentre outros 44 países! O caixa operacional gerado anteriormente permitiu a expansão das vendas a clientes mais rentáveis, diluindo também os custos fixos. E isso em um mercado complexo como o Brasil, onde anos antes a matriz tinha sérias dúvidas sobre a continuidade dos negócios locais.
Em resumo, a correta gestão do caixa, que abrange todos os ciclos financeiros das empresas, desde a compra até o recebimento, pode ser de fato a diferença entre o céu e o inferno empresarial.
Bibliografia
Este artigo foi publicado pelo IBEF SP em 22 de julho de 2019,
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